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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cor, sabor e perfume

Anabe Lopes


Era uma vez duas folhinhas secas rolando no vento. De vez enquanto elas assentavam em lugares magníficos, e se encantavam com a beleza de rios mares e olhavam o céu tão azul que dava vontade de voar lá para o alto. Então, elas sonhavam com o dia em que um rodamoinho, redemuinho, com a gente fala mesmo, bem mas vamos voltar a história: elas sonhavam com o dia em que um redemoinho muito, muito grande as elevassem até as alturas ou elas embarcassem num vento bem forte que quase chegassem à altura daqueles pássaros que voavam alegremente lá no céu , que mais parecia que iam tocar o teto azul. Essas folhinhas, coitadas, eram tão ingênuas que nem sabia que o céu era infinito e nem o que infinito era uma coisa que não tinha fim.

Contando assim a história até parece que elas viviam juntas, não viviam não. Vagavam cada uma na sua corrente de vento, solitariazinhas. Tinha sim um monte de cisco que sempre estavam na área, mas aqueles ciscos todos não podiam compreender o que ia na alma da folhinhas solitárias É que a alma das folhinhas é carregada de lembranças de um tempo em que foram verdes e viçosas e viviam presas a uma árvore frondosa de onde, com o passar do tempo, naturalmente se libertaram e partiram com os ventos par novas aventuras.

Não os companheiros ciscos jamais as entenderiam. Tinha que ser uma folhinha gêmea... suspirava a folhinha da amoreira. Esta folhinha sabia que a vida tinha sabor, coisas que os ciscos em geral não podiam compreender e suspeitava que tinha outras coisas que nem ela nem os ciscos conheciam. Viver assim incompreendida dava um pouco de tristeza na folhinha.

Longe da folhinha da amoreira, tendo sonhos tão parecidos, rolava pelo tempo a folhinha do ipê, e junto com ela outros tantos ciscos incapazes de saber que a vida tinha cor e perfume, e quando a folhinha do ipê falava sobre cor e perfume os ciscos nem ligavam, porque o único perfume que conheciam, não era bem perfume, era o cheiro da poeira que o vento levantava quando passava bem pertinho do chão.

Assim seguiam as folhinhas cada um a sua sina. Quando o vento adormecia e bem de mansinho uma brisa suave, mansamente, tocava o chão, as folhinhas paravam perto de um riacho, hidratavam bem o pulmõezinhos de folha, fechavam seus olhinhos de folha e sentiam assim como que se o correr manso da água cristalina quisesse dizer alguma coisa a respeito do seu destino de folha, antes verde e presas, agora leves e flutuantes, mas solitárias. Não sabiam o que era. Olhavam as nuvens e pensavam no tempo em que viviam presas a seus galhos de árvores. Aquele tinha sido um tempo muito bom, mas era preciso se desprender dos galhos e ganhar o mundo. Jamais teriam visto o riacho, os montes e nem mesmo o mar se lá tivessem permanecido, mas havia ainda algo de incompleto nessa vida de folhinha viandante.

Mas um dia... um grande dia, em pleno agosto no planalto central, o vento do norte esbarrou no vento do sul, e como havia tempos não se encontravam foi aquela festa. Deram-se as mãos e giraram no ar com tanta alegria que aquele tinha sido o maior de todos os rodamoinhos, quase um furacão, por sorte o encontro se deu num vasto campo onde nem casas nem gente nem bicho foi arrastado. Uff! Sorte mesmo!!

Lançaram-se então as folhinhas para a margem de riacho tão lindo que até uma brisa quente parou pra se refrescar e junto levou as folhinhas sonhadoras que ao se tocarem sentiram que eram gêmeas, folha de flor, folha de fruto, mas folhas com história pra contar. Juntas elas viajaram muitos ventos. Conversavam baixinho sobre sabor, cor e perfume. Porque quem conhece de sabor pode sentir o perfume e quem do perfume entende de sabor já sente o lume. Era tão linda a harmonia que até os ciscos em derredor passaram a compreender que a vida tem sabor, cor e perfume, mesmo para uma folhinha seca ou para um cisco qualquer. Desde então perfume, cor e sabor passaram a fazer parte dos ventos que sobrevoam o mundo. E qualquer um que preste atenção aos ventos pode aprender as lições de amor das folhinhas que voam ao vento.





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