Anabe Lopes tem quatro amáveis filhos e descobre, a cada dia, que é a poesia seu principal meio de expressão. Escreve poemas e prosa poética e declama poemas autorais e de outros autores. Tem poemas publicados em diversas antologias, a última delas Fincapé, coordenada pelo poeta Menezes Y Morais , do Coletivo de Poetas de Brasília, trupe de poetas com quem gosta celebrar a vida e arte de poetar. Precisa de escrever, amar e pedalar para viver. Integra equipe de produção do sarau Quinta das Artes, realizado no TCU, onde trabalha. Publica no Recanto das Letras e Canto do Escritor, entre outros sítios e em neste blog ( http://olhosdesarue.blogspot.com ).
Conteúdo
Anabe Lopes
tenho o rosto magro
os olhos fundos
a garganta sempre
em evidência,
a abafar, soberba,
um pedido de clemência
tenho o cabelo fino,
e a orelha pequena
quase nada revela
do que posso ouvir
no desenho da boca,
já meio disforme,
trago o esboço de beijos,
trocados em tempo frescos e moços
minha sombrancelha rala e a branca tez
dissimulam sentimentos muito profundos
tentar traduzi-los é minha poesia e insensatez
desde menina tenho rugas de expressão
acho até que já nasci com elas,
minha mãe acha que não...
e... só sou bonita
no se ou quando, feliz,
minha alma faz meu rosto sorrir!!
Cifras e códigos
a Carlos Drumond de Andrade
Anabe Lopes
na verdade não sei o que suas palavras querem me dizer
na verdade não sei se o que digo significa o quero que signifique
nem mesmo sei se o que quero significar é o que sinto
mas sei que penso, sinto, e meus dedos destilam um pouco disso
mas “sob a pele das palavras há cifras e códigos”, e
perdoe-me: sou apenas minhas palavras.
pudesse dizer só o necessário
despojar-me de ilusões de liberdade
libertar-me de falácias da justiça
escrever um livro-guia-breviário
que rompesse a paz, que não existe
louvando a incerteza e a insanidade!
quando eu nasci um anjo bom
me disse: vá ler Drumond
e um anjo torto
meio, vesgo, melo leso, meio morto
pôs palavras mortas
na minha boca torta
desde então ressoa minha voz rouca
meio tonto meio leso meio morto
de tudo a vida me dá muito,
e tudo me é tão pouco!
Contratempos
Anabe Lopes
às vezes temos coisas a dizer
muitas e tão profundas
que ficam guardadas na alma
e tenho impressão que a nossa alma
fica entre o mais alto da caixa toráxica,
que guarda e proteje nosso coração,
e o início da nossa garganta
onde repousam nossas palavras
mais profundas e mais verdadeiras
nossas palavras tímidas e bem guardadas,
quase sempre entristecidas,
por lhe tolherem a essência
e fazer parte de uma linguagem
que já não se usa mais...
[nossas palavras livres e felizes saltitam livremente]
Linha da vida
Anabe Lopes
tenho sido um ser estranho
com olhares e sentires demodês
escondido no intervalo
que separa o eu de você...
Movimento
Anabe Lopes
guardo vontades e coragem
de ser o que... não sei...
...uma imagem fotográfica
captada no momento certo
pelo fotógrafo certo
e permanecer linda e imóvel
...uma velha e seca árvora
plantada na paisagem
vista da janela de um carro em movimento...
mas eu sou o carro em movimento!!
que domínio tenho eu sobre minha vida
sobre o meu ser??
Coisas transparentes...
Anabe Lopes
...descansam nas águas límpidas de grutas frias
passeiam brilhantes em plena luz do dia
guardan-se em diáfanas caixas de poesia
A fraude
Anabe Lopes
não se fie em minhas palavras
due são todas fraudulentas
não dizem tudo que sou
não revelam tudo que sinto
e se as tiver por verdade
esteja certo: minto!
não que queira sempre mentir
a verdade: me desconheço
e se me tiveres algum apreço
saiba: não o mereço.
Sexta-feira
Anabe Lopes
HOJE amanheci sexta-feira
não contornei o retorno
atropelei a marcação
menos por pressa
mais por uma tola emoção
pensando... porque
não larga tudo
antes, que tudo passa
e a gente passa
e tudo pode enfim perder a graça
é preciso se esquecer que é só passante
viajar por instante, passeante!!!!
Dúvida felina
Anabe Lopes
o gato vive a andar pelos muros e telhados
sem saber que rumos dar ao seu coração:
manter-se no conforto da casa
ou lançar-se na imensidão...
ah dúvida cruel!!
ama e odeia o seu dono
ainda que manso, sempre escorregadio
partirá um dia...
imagino que anda, anda, anda...
até que a neblina o acolha
ao céu de si.
Operário viajante
Anabe Lopes
eu revejo velhos videos
eu refaço velhas vias
desvios, desvãos, devaneio
revivo momentos
reavivo meus sonhos
eu ouço o mar... diariamente
insiste em meu quarto de dormir
um sol brilhante
eu viajo o universo
a bordo de um verso; transbordo
noites e dias...
procuro um fazedor de países,
um construtor de edifícios
tenho barro, tijolo e cimento
meus olhos são duas fontes
faltam-me então as mãos do operário
NECESSITO de muitos amigos
Anabe Lopes
almas a quem possa, alternadamente,
confiar minhas lamúrias tolas
meus versos chinfrins
meu ínfimo universo
e meus rompantes
de incondicional felicidade.
necessito de muitos amores
seres e com quem repartir meu ser intenso
e que suportem
a leveza da minha alma
e um desejo louco de fusão e liberdade!
necessito lápis, caneta, lápis de olho, marca texto
laptop, editor de texto...
necessito de caderninhos
caixinhas de remédio
verso de recibos
folhas de rosto de livros
envelopes
guardanapos
pedaços de papel higiênico...
qualquer coisa que suporte meus assaltos de poesia
(...)
necessito poesia!