MÁRIO QUINTANA é um poeta de versos simples e belos. Em Dedicatória, declara num verso: "e a minha poesia é natural e simples como a água bebida em concha de mão". Contudo, a leitura de Quintana demonstra que a simplicidade do poeta não se confunde com ausência de profundidade. Sua poesia tantas vezes parte do simples ao inusitado, revela o reverso das palavras e das velhas verdades, tornando visíveis coisas que, de tão trasparentes, já não se podía enxergar. Convido a todos para, no espaço reservado aos comentários, falar sobre sua relação com a poesia do Mário Quintana e a fazer deste um espaço para colocar seu poema de Quintana preferido, pois é exatamente isto que começo a fazer agora.
Quintana, em prosa verso, sempre poesia!
Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo!
Eu creio em Deus! Deus é um absurdo!
Eu vou me matar! Eu quero viver!
Você é louco?
Não sou poeta.
Mário Quintana
Nunca ninguém sabe
Nunca ninguém sabe se estou louco para rir ou para chorar
Pois o meu verso tem esse quase imperceptível tremor...
A vida é louca, o mundo é triste:
vale a pena matar-se por isso?
Nem por ninguém!
Só se deve morrer de puro amor!
Mário Quintana
Quem ama inventa
Quem ama inventa a coisa que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente
Ou sozinhos num ritmo tristonho...
Oh! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que fazes à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.
Identidade
Os que, ao contrário dos maltrapilhos, procuram salientar-se pelo bem vestir dão-nos a perfeita impressão de andarem bem trapilhos.
Mário Quintana
Fonte: Da preguiça como método de trabalho. Mário Quintana, Rio de Janeiro, Globo, 1987.
Hoje é outro dia
Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto
è como se abrisse o mesmo livro
Numa nova página...
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.
Jardim interior
Todos os jardins deveriam ser fechados,
Com autos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
entre os vermelhos dos cravos.
O que mata o jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata o jardim é esse olhar vazio
de quem por ele passa indiferente.
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.
O poema
O poema
esta estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face...
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.
Hai-kai de outono
Uma folha, aí,
melacolicamene
cai!
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.
Dedicatória
Quem foi que disse que eu escrevo para as elites
Quem foi que disse que eu escrevo para os bas-fond?
Eu escrevo para a Maria de Todo Dia.
Eu escrevo para o João Cara de Pão.
Para você, que está com este jornal na mão...
E de súbito descobre que a única novidade é a poesia,
o resto não passa de crônica policial - social - política.
E os jornais sempre proclamam que "a situação é crítica"!
Mas eu escrevo é para o João e a Maria
Que quase sempre estão em situação crítica!
E por isso minhas palavras são cotidianas como o pão nosso de cada dia
E a minha poesia é natural e simples como a água bebida em concha de mão.
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.
Rezas
Rezas da infãncia, tão puras...
Um dia a gente esquece
Mas o bom Deus das alturas
Ainda escuta a nossa prece...
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.
Simultaneidade
Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo!
Eu creio em Deus! Deus é um absurdo!
Eu vou me matar! Eu quero viver!
Você é louco?
Não sou poeta.
Mário Quintana
Fonte: A cor do invísivel. Mário Quintana. São Paulo, Globo, 2005.