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Poemas de Rimbaud


Comecei a conhecer Rimbaud por meio da leitura de um interessante livrinho publicado pela L&PM Pochet, escrito por Henri Miller. [Estou ainda no começo...] O nome desta outra obra fantástica de Henry Miller é A hora dos assassinos.  Miller propõe-se a estudar Rimbaud, fazendo uma comparação entre ele próprio, Miller, e Rinbaud - ele pode -, demonstrando as diferenças e semelhanças na tragetória de cada um dos escritores.

Miller fala também do que Rimboud teria feito não pela poesia, mas pela linguagem e mais adiante nos revela uma profecia de Rimbaud, que via "toda linguagem sendo idéia e previa que "o dia da linguagem universal há de chegar.. essa linguagem nova e universal flará de alma para alma, resumindo todos os perfumes, sons, cores, ligando todo o pensamento" . E não é esta a linguagem que todos que escrevemos procuramos??? a linguagem que na visão de Henry Miller- a  linguagem da alma - em cujos domínios não há analfabetos nem tampouco filólogos.

Ainda segundo Miller, Rimbaud, embora nem ele tenha percebido nem seus detratores, preconiza a prática de um novo estilo de vida - assim como o próprio Miller, ouso faler de mim mesma. Este novo estilo de vida prevê "a união entre a arte e a vida, tranpondo a separação, curando o ferimento mortal".

Rimboud morreu há 103 anos, e sua morte foi comemorada de forma espetacular pela mesma França que o rejeitou....

"Quase todos os poetas franceses modernos foram influenciados por ele. E, de fato, a poesia francesa contemporânea tudo lhe deve", afirma Henry Miller.

Esta minibiografia de Rimbaud está ainda em fase de elaboração, mas alguns poemas que tenho lido e sentido não podem esperar para pular pra dentro deste blog. Então aí vai uma publicação ainda mais provisória que todas as demais. Afinal, nesta vida, nada é definitivo. Nossos saberere e não saberes, nossos sentimentos são sempre provisórios e a eles se somam ou deles se subtraem tantos outros saberes e enganos... Então leiamos a seguir alguns poemas de Rimbaud, e volte sempre pra ver as alterações.  Dê-me sempre o imenso prazer de sua leitura!!

Anabe Lopes

POEMAS DE RIMBAUD


Iluminuras - III

Nos bosques tem um pássaro, você pára e cora com seu coro.
Tem um relógio que não toca nunca.
Tem uma brecha no gelo com um ninho de bichos brancos.
Tem uma catedral que sobe e um lago que desce.
Tem uma pequena carruagem abandonada na moita, ou que passa correndo,
decorada.
Tem uma trupe em trajes de comédia, espiada pela trilha da floresta.

E então, quando você tem fome e sede, tem sempre alguém que te manda
passear.

Rimbaud




Iluminuras - IV

Eu sou o santo, rezando no terraço, — como os animais pacíficos pastando
junto ao mar da Palestina.
Eu sou o sábio na poltrona sombria. Os galhos e a chuva se jogam contra a
vidraça da biblioteca.
Eu sou o andarilho da grande estrada entre os bosque anões; o rumor das
represas cobre meus passos. Me demoro vendo a triste fuligem dourada do
pôr-do-sol.
Eu bem podia ser a criança abandonada no cais de partida pro alto mar, o
caipira rodando as alamedas, sua cabeça roçando o céu.
Os caminhos são ásperos. Montesinhos se enchem de giestas. O ar está
parado. Que longe os pássaros e as fontes! Isso só pode ser o fim do mundo,
avançando.

Rimbaud




Iluminuras - CONTO

Um Príncipe se aborrecia por só se dedicar a perfeição de generosidades
vulgares. Ele previa estonteantes revoluções do amor, e desconfiava que suas
mulheres pudessem bem mais que uma complacência enfeitada de céu e luxo.
Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação essenciais. Fosse ou não
uma aberração de piedade, ele queria. Pelo menos ele tinha um grande poder
humano.
Todas as mulheres que o conheceram foram assassinadas. Saque no jardim da
beleza! Sob o sabre, elas o abençoaram. Ele nem encomendava outras.
— As mulheres reapareciam.
Ele matou todos que o seguiam, depois da caça ou das librações.
— Todos o seguiam.
Ele se divertiu degolando os bichos de luxo. Mandou incendiar palácios.
Avançava nas pessoas e as decepava em pedaços. — A multidão, os telhados
dourados, bichos bonitos, ainda existiam.
Pode alguém se extasiar na destruição, rejuvenescer na crueldade! O povo não
murmurou. Ninguém se ofereceu ao concurso de suas vistas.
Uma noite ele cavalgava confiante. Um Gênio surgiu, beleza inefável,
inconfessável mesmo. De sua fisionomia e sua presença emanava a promessa
de um amor múltiplo e complexo! De alegria inominável, insuportável
mesmo! O Príncipe e o Gênio se aniquilaram, quem sabe, em saúde essencial.
Como não morreriam disso? Eles, enfim, morreram juntos.
Mas o Príncipe morreu, em seu palácio, numa idade normal. O Príncipe era o
gênio. O Gênio era o Príncipe.
Ao nosso desejo falta a música sábia.

Rimbaud




Iluminuras DESFILE

Patifes sólidos. Muitos já exploram vossos mundos. Sem carências, e pouca
pressa em aplicar suas brilhantes faculdades e sua experiência de vossas
consciências. Que homens maduros! Olhos vidrados como noite de verão,
vermelhos e negros, tricolores, aço salpicado de estrelas douradas; faces
disformes, plúmbeas, pálidas, em brasa; rouquidões burlescas! os passos
cruéis dos ouropéis! — Alguns são jovens, — mas como encarariam
Querubim? — munidos de vozes medonhas e truques perigosos. São enviados
amarrados pras cidades, fantasiados com um luxo que dá nojo.
Oh! O mais violento Paraíso da careta furiosa! Nada comparável a seus
Faquires e outra tantas teatrais bufoneiras. Em trajes improvisados com sabor
de pesadelo, encenam litanias, tragédias de malandros e semideuses cheios de
graça, como jamais foram a história ou as religiões. Chineses, Hotentotes,
ciganos, otários, hienas, Moleques, velhas demências, demônios sinistros,
misturam os modos populares, maternais, com poses e ternuras bestiais.
Interpretariam peças novas, canções “para moças”. Mestres jograis, eles
transformam o lugar e as pessoas, e usam a comédia magnética. Os olhos
ardem, o sangue canta, ossos se dilatam, escorrem lágrimas e fitas de carmim.
Sua folia ou seu terror dura um minuto, ou meses inteiros.
Só eu tenho a chave desse desfile selvagem.

Rimbaud




Iluminuras - VIDAS

I
Ó as enormes avenidas do país santo, os terraços do templo! O que foi feito do
brâmane que me explicou os Provérbios? Desde então, ainda vejo as velhas de
lá! Me lembro das horas de prata e do sol rente aos rios, a mão da campina no
meu ombro, de nossas carícias de pé sobre planícies de pimenta. — Um vôo
de pombos escarlates troveja em volta de meu pensamento. — Exilado aqui,
tive um palco onde encenar as obras-primas dramáticas de todas as literaturas.
Eu te mostraria as riquezas inauditas. Observo a história dos tesouros que
encontrastes. Eu vejo a seqüência! Minha sabedoria é tão orgulhosa quanto o
caos. Que é meu nada, perto do estupor que te espera?

II
Sou um inventor bem mais merecedor do que todos que me antecederam, um
músico mesmo, que descobriu algo assim como a clave do amor. Hoje em dia,
cavalheiro de uma campina amarga com um céu sóbrio, tento me emocionar
com a lembrança da infância mendiga, da aprendizagem ou da chegada em
tamancos, polêmicas, das cinco ou seis viuvezas, e de algumas bodas, onde
minha cabeça dura me impediu de seguir o diapasão dos camaradas. Não
choro mais minha velha porção de alegria divina: o ar sóbrio dessa campina
amarga sacia e ativa meu ceticismo atroz. Mas, já que não se pode fazer uso
desse ceticismo, e aliás, por estar envolvido num conflito novo, — espero
virar um louco muito perigoso.

III
Num celeiro aonde me prenderam aos doze anos, conheci o mundo e ilustrei a
comédia humana. Numa adega aprendi a história. Em alguma festa de noite,
numa cidade do Norte, cruzei todas as mulheres dos pintores antigos. Numa
velha passagem de Paris, me ensinaram as ciências clássicas,. Numa morada
magnífica cercada por todo o Oriente, terminei minha imensa obra e passei
meu ilustre retiro. Fermentei meu sangue. Minha dívida foi remida. Nem
quero mais pensar nisso. Sou mesmo do além, e nada de mensagens.

Rimbaud




Iluminuras - PARTIDA

Vi demais. A visão se revia pelos ares.
Tive demais. Sons de cidade, à tarde, e ao sol, e sempre.
Soube demais. As paradas da vida. — Ó Sons e Visões!
Partida entre afetos e ruídos novos!

Rimbaud