Anabe Lopes
O dia amanheceu como todo dia: muito
igual com algo de diferente...
Havia uma semana não se viam; há dois
dias se convencia de que a única saída, a mais digna, era conceder-lhe,
passivamente, o inegável direito de fugir.
Acordou meia hora mais tarde que o habitual, em decorrência das três
gotinhas milagrosas que a fizeram dormir, mentalizou a frase dos AA
(Apaixonados Anônimos): Hoje não vou chorar.
O pescoço doía-lhe um pouco. Alongou. Deitou-se novamente mais alguns
minutos. Quase chorou. Repetiu a frase mágica. Levantou-se.
Lá fora o sol, insuspeito, brilhava como de costume em dias de final de
inverno.
Mal deu os primeiros passos e notou que algo estranho acontecia ao
redor, ou seriam seus olhos represados? A parede, os quadros da parede, as
fotografias do mural... tudo ao redor parecia meio... líquido, enquanto seus
gritos internos de “Hoje não vou chorar” enrijecia-lhe o coração.
Dirigiu-se ao banheiro e, ao escovar os dentes, notou que o metal da torneira
escorria junto com a água. Mal pode concluir a escovação... a escova foi pelo
ralo segundos antes de o próprio ralo ir pelo ralo.
Malgrado o susto, a calma e a frase ainda se mantinha. Vestiu-se e foi
para a rua.
A frase soava-lhe alta, soava-lhe firme, soava-lhe forte.
A rua também não estava normal, mas não havia dor... apenas ecoava a frase:
Hoje não vou chorar!
Tentou pegar sua bicicleta e ir
pedalando para o trabalho. Ao tocá-le sentiu que ela também se liquefazia...
foi à pé. Tocou rapidamente o último girassol, e a flor se desfez, escorrendo de suas mãos
frágeis. Uma mulher velha passeava por entre líquidos canteiros, com pontos
coloridos a se misturarem no líquido marrom... sorriu ela, que se desmanchou
com o último sorriso. Voltou-se pra dentro de si. Notou que todos os seus
amores, lembranças, afetos, sonhos e desejos se derretiam... lentamente. Parou
num café e pediu um chocolate quente...
Derreteu-se a xícara o chocolate escorreu sobre o balcão que escorria
pelo chão que parecia agora criar uma camada líquida que misturava um pouco de
tudo: metal, porcelana, plástico, carne humana... arrastava passos pastosos...
Tudo o que conseguia pensar era “Hoje não vou chorar", ainda que o
mundo se derreta...
Dois milênios depois, quando os Venuzianos vieram explorar o planeta, não havia nada além de uma crosta estranha que remetia a um tempo em que tudo se tinha... derretido e era como se o planeta todos houvesse sido lavado por um grande rio... E num, ponto do planeta, apenas uma objeto se destacava, seria uma pedra? Concluíram que sim... era mesmo uma pedra. Ela era muito dura, a única coisa que não derretera.
Dois milênios depois, quando os Venuzianos vieram explorar o planeta, não havia nada além de uma crosta estranha que remetia a um tempo em que tudo se tinha... derretido e era como se o planeta todos houvesse sido lavado por um grande rio... E num, ponto do planeta, apenas uma objeto se destacava, seria uma pedra? Concluíram que sim... era mesmo uma pedra. Ela era muito dura, a única coisa que não derretera.
Era pontuda numa das extremidades achatada na outra, de cor vermelho
escuro, com alguns pontos bem pretos e pequenos veios nas
superfícies pétreas. Na parte achatada resquícios de dois largo tubos, com as
extremidades derretidas e a base empretecida... um passo adiante uma inscrição
na superfície derretida e solidificada... Com letras meio escorridas ... “Hoje
não vou chorar”.